Carla de Mojana e seu Menino Múltiplo

Fizemos uma pequena entrevista com a mais nova tradutora da casa, Carla de Mojana. Uma pessoa doce que chegou até nós com um projeto maravilho, a primeira tradução de Andrée Chedid no Brasil.

Para nós, aqui na Editora, foi um prazer editar esse livro. Andrée Chedid merece ter sua obra em circulação, afinal seu texto é poético e a sua motivação é certeira. Temos a certeza de que as palavras de Chedid podem mudar pensamentos e, até mesmo, amolecer os corações mais duros.

O que mais te emociona na obra de Chedid?

Lembro que a obra de Chedid é vasta. Em se tratando de romances e nouvelles, o que me toca é a sensibilidade com a qual ela aborda assuntos duros e atuais, como a vida e a morte, guerras, intolerância, a defesa do múltiplo, do “estranho”, por meio de uma escrita carregada de poesia. Chedid busca a simplicidade em suas narrativas, cuja força, a meu ver, vem do teor poético que ela imprime na prosa, atentando às imagens, ao ritmo, aos silêncios. Ela consegue, assim, fazer o que ela se propõe a fazer: transmitir algo que vá para além da dominação do tempo, da história e dos lugares; de nossa própria pele, enquanto leitores, mas que ao mesmo tempo nela cria raízes. Ela toca na essência do ser humano.

Quais foram as dificuldades na tradução d’O Menino Múltiplo?

É uma prosa que traz muita poesia, nas imagens, no ritmo, na respiração. A principal dificuldade foi a tradução do ritmo da obra, marcado por recursos da poesia – aliteração, assonância, rimas, paralelismos –, pela pontuação e pelas palavras escolhidas dedo a dedo pela escritora durante seu processo criativo. Chedid escrevia o texto bruto e o reescrevia quantas vezes achasse necessário, sempre consultando dicionários, em busca do que ela chamava de “a palavra certa”, aquela que soa bem aos ouvidos. Foi o que fiz, prazerosamente, na tradução. Foi um intenso processo de criação, a partir do texto original, no texto em língua portuguesa.

Personagem favorito na obra?

A obra traz personagens fortes e com atuações precisas e marcantes no decorrer da história, sempre relacionados ao pequeno Omar-Jo, o personagem principal. Meu personagem favorito. Uma criança apaixonante, profunda, que apesar de marcada pela perda de seus pais em meio à guerra e de um membro de seu corpo, ainda dotada de características infantis, como a fantasia e a não assimilação de preconceitos, incute nos adultos valores escondidos, perdidos, como o amor e a aceitação do outro, e os une em suas diferenças.

Traduziria outra obra de Chedid?

Sim, poderia traduzir todas as suas obras. Não só pela beleza de sua escrita, mas pelas mensagens que a grande maioria delas carrega, necessárias no mundo plural e globalizado no qual vivemos. Como o romance L’autre [O outro], uma obra-chave no conjunto da obra de Chedid: um senhor e um jovem que ele não conhece trocam olhares brevemente e, pouco tempo depois, acontece um terremoto. Em meio à tragédia, o senhor sente que o jovem está vivo, sob os escombros, e insiste para que as equipes de resgate não desistam dele, procurando se comunicar com ele diariamente pela voz. Sua missão pessoal passa a ser salvar o outro, o estranho. Há vários ecos da alteridade da autora em sua poesia, o que me leva a citar uma de suas frases em voga: “Você, quem quer que você seja, eu lhe sou bem mais próximo do que estranho”.

Como conheceu a música de Matthieu Chedid?

Ouvindo rádio, na França, há muitos anos. Seu pai já era um músico bem conhecido antes de sua estreia solo nos palcos. Atualmente a família Chedid faz shows em todo o país; ele tem uma irmã e um irmão também músicos, que seguem carreiras independentes. E uma irmã cineasta. É uma família de artistas, que tem como precursora a avó, Andrée Chedid. Ela dizia que se não fosse escritora seria atriz. E fazia colagens, escrevia letras de músicas. Omar-Jo, personagem de O Menino Múltiplo, irradia esse amor pela arte do espetáculo, que também aparece em outros personagens, como Sugar e Cheranne, músicos.

O que você tem lido?

Principalmente romances de língua francesa, como L’ Œil et la nuit, do marroquino Abdellatif Laâbi e Tropique de la violence, da mauriciana Nathacha Appanah, escritores radicados na França. Estou lendo Repose-toi sur moi, um romance contemporâneo de Serge Joncour e La mare au diable, um belo clássico de George Sand.

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